Diminutivos, por Luís Fernando Veríssimo
Diminutivos, por Luís Fernando Veríssimo
Sempre pensei que ninguém batia o brasileiro no uso do diminutivo, essa nossa mania de reduzir tudo à mínima dimensão, seja um cafezinho, um cineminha ou uma vidinha. Só o que varia é a inflexão da voz. Se alguém diz, por exemplo, “Ó vidinha!” você sabe que ele está se referindo a uma vida com todas as mordomias. Nem é uma vida, é um comercial de cigarro com longa metragem. Um vidão. Mas se disser “Ah vidinha...” o coitado está se queixando dela e com toda a razão. Há anos que o seu único divertimento é tirar sapatos e fazer xixi. Mas nos dois casos o diminutivo é usado com o mesmo carinho.
O francês tem o seu “tout petit peu”, que não é um diminutivo, é um exagero. Um “pouco todo pequeno” é muita explicação para tão pouco. Os mexicanos usam o “poco”, o “poquito” e – menos ainda que o “poquito” – o “poquitín!”. Mas ninguém bate o brasileiro.
Era o que eu pensava até o dia, na Itália, em que ouvi alguém dizer que alguma coisa duraria um “mezzoretto”. Não sei se a grafia é essa mesma, mas um povo que consegue, numa palavra, reduzir uma meia hora de tamanho – e você não tem nenhuma dúvida de que um “mezzoretto” dura os mesmos trinta minutos de uma meia hora convencional, mas passa muito mais depressa – é invencível em matéria de diminutivo.
O diminutivo é uma maneira ao mesmo tempo afetuosa e precavida de usar a linguagem. Afetuosa porque geralmente o usamos para designar o que é agradável, aquelas coisas tão afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido. E precavida porque também o usamos para desarmar certas palavras que, na sua forma original, são ameaçadoras demais.
“Operação”, por exemplo. É uma palavra assustadora. Pior do que “intervenção cirúrgica”, porque promete uma intervenção muito mais radical nos intestinos. Um “operação” certamente durará horas e os resultados são incertos. Suas chances de sobreviver a uma operação... sei não. Melhor se preparar para o pior.
Já uma “operaçãozinha” é uma mera formalidade. Anestesia local e duas aspirinas depois. Uma coisa tão banal que quase dispensa a presença do paciente.
– Alô, doutor? Olha, aquele meu quisto no braço direito que nós íamos tirar hoje? A operaçãozinha?
– Sim.
– Não vou poder ir, mas o Asdrúbal vai no meu lugar.
– O Asdrúbal?
– Meu assistente direto aqui na firma. Homem de confiança.
– Mas ele vai fazer a operaçãozinha por você?
– Ele é meu braço direito, doutor.
Se alguém disser que precisa ter uma “conversa” com você, cuidado. É coisa da maior importância. Os próprios destinos do Pacto do Atlântico podem estar em jogo. Uma “conversa” é sempre com hora marcada.
Já uma “conversinha” raramente passa do nível da mais cândida inconseqüência. E geralmente é fofoca. A hora para uma “conversinha” é sempre qualquer hora dessas.
Num “jogo” você arrisca tudo até a hora. Num “joguinho” aceita-se até o cheque frio.
Entre ter um “caso” ou um “casinho” a diferença, às vezes, é a tragédia passional.
No Brasil, usa-se o diminutivo principalmente em relação à comida. Nada nos desperta sentimentos tão carinhosos quanto uma boa comidinha.
– Mais um “feijãozinho”?
O feijãozinho passou dois dias borbulhando num daqueles caldeirões de antropófagos com capacidade para três missionários. Leva porcos inteiros, todos os miúdos e temperos conhecidos e, parece, um missionário. Mas a dona-de-casa o trata como um mingau de todos os dias.
– Mais um “feijãozinho”?
– Um pouquinho.
– E uma farofinha?
– Ao lado do arrozinho?
– Isso.
– E quem sabe mais uma cervejinha?
– Obrigadinho.
O diminutivo é também uma forma de disfarçar o nosso entusiasmo pelas grandes porções. E tem um efeito psicológico inegável. Você pode passar horas tomando “cervejinha” em cima de “cervejinha” sem nenhum dos efeitos que sofreria depois de apenas duas cervejas.
– E agora, um docinho.
E surge um tacho de ambrosia que é um porta-aviões.