Regozijemo-nos, por Luís Fernando Veríssimo
Regozijemo-nos, por Luís Fernando Veríssimo
Regozijo. Estranho. Regozijar deve ser gozijar de novo.
- Você gozijou, bem?
- Duas vezes!
Mas gozijar não é exatamente gozar. E uma celebração. Regozija-se em grupo, não se goza em grupo. Pela menos não no grupo em que ando. O Aurélio diz que "regozijo" vem do espanhol "regocijo", e tudo deve vir do latim "gaudire", que através do francês "jouir" ou "jour de novo, deu no inglês "rejoice", e está nas origens do nosso "gáudio". Tudo, enfim, é alegria.
Anthony Burgess escreveu um livro sobre James Joyce chamado ReJoyce, que quer dizer ao mesmo tempo referente a Joyce, uma releitura de Joyce e uma comemoração de Joyce, além de homenagear o autor que tornou o trocadilho literariamente respeitável. Finnegans Wake é um longo trocadilho, um intraduzível e interminável - pois não termina mesmo, a última frase do livro emenda na primeira - jogo de palavras no qual só deve entrar quem tem tempo e saco, além de erudição ou um bom manual explicativo, como o de Burgess. Mas, como Ulysses, Finnegans Wake é uma celebração complicada da vida comum, o universo reduzido a uma cidade, o tempo reduzido a um dia, a história e os mitos da humanidade reduzidos a uma linguagem e todo o humor e a glória desta espécie falante reduzidos a um livro. Quase indecifrável, mas quem disse que nós temos explicação? Finnegans Wake é um grande regozijo pela vida e seus ciclos reiterados que transformam qualquer beberrão de Dublin num arquétipo universal de morte e ressurreição. Talvez 'regozijo" se existisse, significasse isso: o gozo comum, o gozo de cada um integrado num gozo da nossa humanidade comum.
E regozijo a sua repetição pela história, a qualquer pretexto.