Palavras tabu e eufemismos nos dicionários de Bento Pereira e Rafael Bluteau, por João Paulo Silvestre, em: Percursos de Eros, representações do erotismo, António Manuel Ferreira (coord.), Associação Labor de Estudos Portugueses, 2003.
Palavras tabu e eufemismos nos dicionários de Bento Pereira e Rafael Bluteau, por João Paulo Silvestre, em: Percursos de Eros, representações do erotismo, António Manuel Ferreira (coord.), Associação Labor de Estudos Portugueses, 2003.
É um equívoco considerar que juízos acerca de determinadas palavras são imutáveis. Alguns termos que atualmente são considerados tabus mereceram um tratamento distinto em outros períodos da história da língua, como se conclui através da leitura dos dicionários portugueses antigos como a Prosodia in vocabularium bilingue, latinum, et lusitanum digesta, do padre Bento Pereira (1605-1681). Este dicionário, publicado em 1634 e sucessivamente reeditado e aumentado até 1750, foi durante mais de um século um instrumento essencial para o ensino do latim nos colégios dos jesuítas.
Um aspecto que permite verificar como os interditos linguísticos são socialmente condicionados e mutáveis, é o fato de palavras como puta não serem censuradas, como nestes exemplos:
Meretrix, cis. A mulher publica ( puta ).
Meretricula, ae. A putinha, puta.
Meretricius. Cousa de puta, ou pertencente a puta.
Meretricie. A modo de puta.
Meretricium. Puta da vida, & exercicio de puta.
Meretricor, aris, atus sum. Putear, viver em putarîas.
Meretricatio, nis. A putarîa, vida de putas.
Meretricarius. O putanheiro, o roffiaõ.
Outro exemplo é dado pelo Vocabulario Portuguez, e Latino de Rafael Bluteau, 1712.
CU. Inurbano, e descomposto synonymo de assento trazeiro, e pouzadeiro.
CU de Judas. (Annexim chulo.) Má rua. Canto. Beco sujo. Mora no cu de Judas, id est, mora em má rua, em hum beco sujo.
CUADA. Pancada, que se dá com tal parte no chaõ.