Memórias póstumas de Brás Cubas
Dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor.
Não era a frescura da primeira idade; ao contrário; mas ainda estava formosa, de uma formosura outoniça, realçada pela noite.
Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis [...].
Matamos o tempo; o tempo nos enterra.
Dom Casmurro
E com uma letra bem pequena, lá estava escrito no seu epitáfio: Tentou ser, não conseguiu; tentou ter, não possuiu; tentou continuar, não prosseguiu; e nessa vida de expectativas frustradas tentou até amar… Pois bem, não consegui, e aqui está.
Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos.
Concluo que não se devem abolir as loterias. Nenhum premiado as acusou ainda de imorais, como ninguém tachou de má a boceta de Pandora, por lhe ter ficado a esperança no fundo; em alguma parte há de ela ficar. Aqui os tenho aos dous bem casados de outrora, os bem-amados, os bem-aventurados, que se foram desta para a outra vida, continuar um sonho provavelmente. Quando a loteria e Pandora me aborrecem, ergo os olhos para eles, e esqueço os bilhetes brancos e a boceta fatídica.
Para quem tem que pagar na páscoa, a quaresma é curta.
Olhos de cigana oblíqua e dissimulada.
Canuto, A. 2002. Machado de Assis: memórias de um frasista. Lemos Editorial, São Paulo.
Quer o leitor escrever um livro “in-folio”, da grossura de um missal, em caracteres microscópicos? Escreva a história dos abusos judiciários e policiais que se dão cada ano neste nosso abençoado país.
Os adjetivos passam, e os substantivos ficam.
Não há bota velha que não encontre um pé cambaio.
Tem a Inglaterra a sua libra, a França o seu franco, os Estados Unidos o seu dólar, por que não teríamos nós nossa moeda batizada? Em vez de designá-la por um número, e por um número ideal — vinte mil-réis — Por que lhe não poremos um nome — cruzeiro — por exemplo? Cruzeiro não é pior que outros, e tem a vantagem de ser nome e de ser nosso. Imagino até o desenho da moeda; e de um lado a efígie imperial, do outro a constelação… Um cruzeiro, cinco cruzeiros, vinte cruzeiros. Os nossos maiores tinham os dobrões, os patacões, os cruzados, etc., tudo isto era moeda tangível; mas vinte mil-réis… Que são vinte mil-réis? Enfim, isto já me vai cheirando a neologismo. Crônica de 1889, publicada no jornal Gazeta de Notícias.
Achava que um jornal era a cousa mais inútil deste mundo, depois da Câmara dos Deputados, das obras dos poetas, e das missas.
Memorial de Aires
Tudo é um; amor ou eleições, não falta matéria às discórdias humanas.
Costumes e instituições, tudo perece.
Ao vê-la agora, não a achei menos saborosa que no cemitério, e há tempos em casa de mana Rita, nem menos vistosa também. Parece feita ao torno, sem que este vocábulo dê nenhuma idéia de rigidez; ao contrário, é flexível. Quero aludir somente à correção das linhas, — falo das linhas vistas; as restantes adivinham-se e juram-se. Tem a pele macia e clara, com uns tons rubros nas faces, que lhe não ficam mal à viuvez.
Talvez fosse ao cemitério. Muitas sepulturas bonitas? — Bastantes; entre elas a do marido de Fidélia.
Vindo agora pela Rua da Glória, dei com sete crianças, meninos e meninas, de vário tamanho, que iam em linha, presas pelas mãos.
Quis dizer-lhe que era esperarem por sapatos de defunto, mas evitei o dito, e mudei de pensamento.
Esaú e Jacó
Quis calar e esperar,
O melhor é calar.
A mãe quis saber por que é que eles calaram outrora;
Já lhe sucedia calar por instantes, como se pensasse,
Paulo e Pedro confessaram a outra parte, pedindo-lhe silêncio.
— Não juraram calar?
— Positivamente, não, disse um.
Os próprios segredos cansam de calar, — calar ou dormir; fiquemos com este outro verbo, que serve melhor à imagem. Cansam, e ajudam a seu modo aquilo que imputamos à indiscrição alheia.
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— Não é a ocasião que faz o ladrão, dizia ele a alguém; o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: "A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito".
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— Tudo vale a pena; quero acompanhar as tentativas da artista; deixe ver.
— Não vale a pena...
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Aires sabia que os túmulos não são discretos. Se não dizem nada, é porque diriam sempre a mesma história; daí a fama de discrição. Não é virtude, é falta de novidade.