A primeira consequência da falta absoluta de boa leitura é a pobreza vocabular. Os exemplos são uma enxurrada. Tantos, que é impossível ficar a repeti-los, ou encheríamos vários volumes. Mas uma peneirada mostra que o mais visível reflexo dessa indigência, no momento, está na repetição enfadonha e cansativa de verbas como admitir e colocar, de prefixos como super, de aumentativos em ão a um ponto irritante e empobrecedor. Comecemos pelos verbos e faço logo um desafio. Duvido que alguém que se entregue ao trabalho de contar não constate que em qualquer exemplar dos jornais e revistas - de todos os grandes jornais e revistas do país - e em todos os telejornais, de uns cinco anos para cá, não encontre dezenas de vezes o verbo admitir no texto ou na fala de repórteres ou redatores. Ora, é evidente que tal emprego abusivo leva a uma obrigatória deturpação do significado próprio do verbo, que tem claramente um sentido de concessão. Nesse caso, o leitor ou ouvinte jamais encontrará os mais específicos "consentir" ou "tolerar", muitas vezes preferíveis, dependendo do contexto. Admitir é também exaustivamente empregado em lugar de "confessar", situação em que é muitíssimo mais fraco, e até (ah, quantas vezes, ultimamente!) como simples substitutivo de "declarar".
As autoridades vivem "admitindo", mas ora, ora, uma autoridade nunca admite, uma autoridade "permite" ou até, como é óbvio, "autoriza". Numa outra conotação, "supor" pode substituir muito bem o indigitado admitir (exemplo: "Admitamos que isso seja verdade só para raciocinar"). Mas permitir, autorizar, supor são verbos que não existem no vocabulário atual dos meios de comunicação. Admito, ah, perdão, suponho que tal exagero de emprego se deva a um certo medo de dizer as coisas com clareza, pois admitir é, afinal, um verbo fragílimo, que nunca compromete quem o usa. Admitir, como mostra sua vida literária, só tem força mesmo na negativa: "Isso eu não admito!" Mas nesse bom e forte emprego, estranhamente, os meios de comunicação têm sido sóbrios, quase nulos. Quanto ao pobre do colocar, misericórdia, baniu de nossos meios de comunicação os tão simpáticos "pôr" e "botar"! Agora só se coloca fogo". Até o honesto "atear" foi banido, depois de brilhar por muitos anos nas seções policiais no caso de suicídio com fogo nas vestes. Hoje em dia, delicadamente, os suicidas "colocam fogo nas vestes". Também para o elemento contrário, a água, só restou a falta de imaginação do bendito "colocar", uma vez que as gordas e patuscas dona de casa rodriguianas não botam mais água no feijão quando chega visita: "colocam água". Assim como não se põe mais, porém, "coloca-se água no copo". Já ouvi a popular e velha frase feita, segundo a qual alguém "pôs a boca no mundo", mudada em "colocou a boca no mundo", o que não faz chegar nem ao vizinho a mensagem que esse alguém quis universalizar aos gritos. Os pedreiros não mais assentam, mas "colocam" tijolos, sem contar as pedantíssimas "colocações" de argumentos, que das assembleias estudantis e sindicais passaram impunemente a vícios dos meios de comunicação. Arrisco-me a ser chamado de mentiroso, mas juro que já ouvi até alguém dizer que "a galinha colocou um ovo", o que mudaria em "a galinha do vizinho / coloca ovo amarelinho" a velha cantiga de roda infantil, ou transformaria em "colocadeiras" as tão simpáticas galinhas poedeiras.
Nem vale a pena falar do supercriativo emprego do atual superprefixo super, ou da cansativa rima pobre do aumentativo ão que está em todas. Em relação ao primeiro, até que a culpa por seu desgaste singular não é tanto dos profissionais de comunicação, mas parece ser sobretudo do pessoal das áreas das artes cênicas, esportes chamados radicais e lazer em geral. Não faz muito tempo, ouvi uma atrizinha dizer uma entrevista de cinco minutos que estava "superfeliz" numa nova novela, que o enredo era "superbacana", por isso mesmo ela estava "superenvolvida" naquilo que considerava um "superlance" (e aqui não cheguei a entender bem, mas ainda uma vez juro que não minto). Nem tinha medo de pela primeira vez participar de um projeto maior, pois o diretor era um "superamigo" e o pessoal todo "superprotetor". Claro que ouvir tal entrevista contribuiu para que eu tivesse um "supersábado" - era esse o dia, nunca mais o esquecerei.
Antes que eu super-me-alongue (pois há também esse gracioso emprego com deixo aí com hifens, à falta de melhor ortografia) e transforme meu modesto artigo num "artigão", vou me despedindo. Ficam para uma outra vez mais dois ou três vícios que surpreendo na fala e na escrita do momento presente. Quero concluir com uma palavra sobre a praga dos modismos. Nada mais natural que eles pululem, uma vez que ninguém lê nada. Ou melhor, os meios de comunicação leem-se uns aos outros, o que é louvável, até por obrigação profissional. O ruim é que a leitura de todos se esgote nesse círculo restrito. Assim, o que um diz lá um dia com ares de certa novidade, no dia seguinte estará num concorrente, e no outro, e no outro, e no outro. Há pouco tempo foi a palavra "emblemático" que ainda ressoa aqui e ali, usada preferencialmente nos suplementos de lazer e cultura e nas revistas, que pretensamente seriam donos de uma linguagem mais sofisticada. Tanto que em matéria de prefixos, num assomo de erudição, deixaram o romano super dos atores e esportistas e foram à velha Grécia buscar o velhíssimo mega. Agora, ninguém mais é superstar, mas megastar, e tudo é mega. Em pouquíssimo tempo o prefixo, antes mais à vontade apenas na terminologia científica, tornou-se megadesgastado. Mas ninguém percebeu isso ainda. Nem vai perceber com facilidade. Pois há tempos me disseram, por exemplo, que o próprio nome do curso de comunicação de massa (ou comunicação social, mas, em síntese, comunicação) da Universidade de São Paulo estava errado. Algum professor menos informado teria usado aí um plural rigorosamente indevido. Fui lá conferir e o equívoco era batata. Estava lá — e está lá até hoje, ninguém percebeu ainda: Escola de Comunicações. O que me leva a crer que todos os alunos desse curso da USP dele saem direto para um emprego na Embratel, que cuida das comunicações no país. Em contrapartida, nos meios de comunicação (jornais, revistas, tevê rádio) já deve estar havendo escassez de pessoal.