O Milho e o monjolo, aspectos da civilização do milho, por Carlos Borges Schmidt. Documentário da Vida Rural Nº 20, Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, 1967
O Milho e o monjolo, aspectos da civilização do milho, por Carlos Borges Schmidt. Documentário da Vida Rural Nº 20, Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, 1967
Triturando as macaúbas, pulverizando o milho ou descascando o arroz, o aparelho é lição corriqueira à moral sertaneja. Exemplifica a modéstia, o labor e a eternidade.
Quanta poesia se desprende desse malho e desse gral, com a melopéa brusca: chouan-pong! a pelar a canjica no fundo do grotão! Tem o som raspado, misterioso e cavo da aldraba na porta chumbada de uma sovaca, a gravidade melancolizante dos pêndulos e a serventia boçal dos africanos.
Merecia um desafio entre cantadores, dos bons, e as odes dos poetas laureados. O regato tenta afogar o madeiro prestante, mas este se defende, dando uma simples descaída de ombros. Tronco inteligente, viga prestadia e, sobretudo, complacente, rejeita o quanto lhe entornam na queixada e, desta forma, nunca se estanca a sede que o instabiliza.
Deram-lhe o nome depreciativo de preguiça, sem lhe reconhecer a proveitosa lentidão, fruto divino do seu dote de incansável.
Representa o passado e a perseverança, conta as horas por igual, meia noite é um despejo e uma pancada, a amassar o pão de cada dia, com as currupiras e caaporas traquinando-lhe na gangorra.
A haste marruaz oscila na tranqueta ou cavilha da virgem ou pasmado. Ajuda-a na descambada do balanço e contrapeso do macaco. A água preenche a cavidade do cocho que a rejeita para o receptáculo nomeado inferno. A mão firme na malheta da munheca, tomba a estrondar, pulverizando o cereal do bojo do pilão.
A fim de deter o monjolo no movimento alternativo especam-no com a estronca. Aí está toda a nomenclatura e manobra da alavanca de primeiro gênero que tem uma ducha por potência e dança em batecum de bombo a seu passo de marcha cadenciada e soturna.
Mistral cantou um poema às cento e tantas peças da charrua, e ainda não houve brasileiro que poetasse sobre as nove ou dez partes do monjolo.
Como tudo mais, passarás!
Transformaram-te para melhor numa roda Pelton! Qual será teu último avatar, martelão de pau rombo e certeiro, indesregrável e sonoro?"
GLOSSÁRIO:
Batecum: Pancada, batida, batucada.
Bombo: Tambor.
Cavilha: Peça de madeira ou de metal para juntar ou segurar madeiras ou chapas. Possui nas extremidades: de um lado, uma cabeça; e do outro, uma fenda que a mantém presa através de uma chaveta. No monjolo, funciona como um eixo sobre o qual oscila a haste. Eixo.
Chouan-Pong: Utilizado aqui como termo onomatopéico para o som do jorro d'água do cocho do monjolo sobre o "inferno" e o estrondo da batida do pilão.
Cocho: Receptáculo em forma de tanque, escavado no tronco da madeira, oposto à haste do monjolo. Transborda-se ao receber um certo volume de água, cujo peso desequilibra-o para baixo, fazendo com que a mão do pilão se levante na outra extremidade. Ao chegar bem junto ao solo, no máximo de sua flexão, deixa a água se escoar no "inferno" ou sumidouro. Gamelão.
Estronca: Escora.
Gral: Pilão, almofariz.
Grotão: Buraco, depressão funda.
Haste: Peça longa de madeira que se constitui no prolongamento oposto do cocho do monjolo, além de seu eixo de equilíbrio, e em cuja extremidade está encaixada a mão de pilão.
Inferno: Local, no chão, em forma de receptáculo côncavo, onde se escoa a água que transborda do cocho (ou gamelão) do monjolo. Calabouço, sumidouro.
Macaco: Peça de madeira ou de ferro colocada sobre a haste do monjolo, como contrapeso. Maromba.
Malho: Maço da mão do pilão. Mão de pilão, do monjolo.
Malheta: Parte da mão do pilão, arredondada e de maior diâmetro, que entra em contacto direto com os grãos, socando-os. Munheca, maço.
Mão: Peça de madeira encaixada, verticalmente, na extremidade da haste do monjolo através de um orifício. Sua parte inferior, mais espessa ("maço"), bate no centro do pilão.
Munheca: Mão do pilão.
Pasmado: Cavalete constituído de dois mourões que, atravessado por um eixo (denominado também de cavilha), sustenta a haste do monjolo. Virgem.
Pilão: Designação comum a diversos instrumentos que servem para bater, triturar ou calcar. Instrumento de origem universal, que se presta para triturar o milho ou descascar o café e o arroz. É constituído de um receptáculo de madeira (almofariz, gral) e uma peça cilíndrica (mão do pilão), cuja extremidade é arredondada e de maior diâmetro (maço), que se utiliza para socar os grãos. Gral, almofariz.
Pelar: Descascar, pisar ou moer no pilão, apisoar.
Preguiça: Apelido dado ao monjolo, depreciativo à sua lentidão.
Tranqueta: Pequena peça de madeira ou de ferro que serve como trava, na extremidade do eixo sobre o qual oscila a haste do monjolo.
Virgem: Cavalete constituído de dois mourões que, atravessado por um eixo (denominado também de cavilha), sustenta a haste do monjolo. Pasmado.
Wikimedia Commons, acervo de conteúdo livre